O tratamento do Ceratocone depende do estágio evolutivo do acometimento da córnea pela doença.

 

Todos os pacientes devem ser orientados a evitar o hábito de coçar os olhos, pois este trauma contínuo pode ser o gatilho para o desenvolvimento do ceratocone e para a sua progressão.

As alergias oculares e o olho seco, que são as causas mais freqüentes do prurido ocular (coceira), devem ser tratados.

Pacientes com córneas suspeitas ou com ceratocone subclínico devem ser acompanhados com exames da córnea a cada 6 meses, durante os primeiros 2 anos, e depois, anualmente.

Se for detectada a progressão do ceratocone, está indicada a Cirurgia do Crosslinking da córnea, que será explicada adiante.

Embora existam classificações diversas para o Ceratocone, uma das mais utilizadas é a Classificação de Krumeich, que utiliza os parâmetros da curvatura da córnea (curvatura média nos 3 mm da córnea), do erro refrativo (grau da miopia/astigmatismo), da paquimetria (espessura central da córnea) e da biomicroscopia (córnea transparente ou com opacidades e/ou perfuração) para estadiamento do Ceratocone, como ilustrada em seguida.


Além dos parâmetros da classificação do estágio do Ceratocone, os critérios de progressão do Ceratocone também são muito importantes para a conduta do tratamento.

Embora o Consenso Global sobre Ceratocone e Doenças Ectásicas não tenha uma definição clara e consistente sobre os parâmetros de evolução da doença, os critérios de progressão atualmente mais sugeridos estão relacionados às mudanças da acuidade visual, da refração e das medidas da córnea, no período de 1 ano.

Considera-se que o ceratocone está progredindo se houver diminuição da melhor acuidade visual corrigida de 2 ou mais linhas, aumento da miopia e/ou do astigmatismo igual ou maior que 1.00 dioptria (D) ou do equivalente esférico (grau da miopia somado com a metade do astigmatismo) igual ou superior a 0.50 D, no último ano.

Além disto, são considerados como critérios de progressão, o aumento dos seguintes parâmetros topográficos ou tomográficos: aumento da maior curvatura da córnea (K2) e/ou da diferença entre a maior curvatura e menor curvatura da córnea (K2-K1) igual ou superior a 1.00 D; da curvatura máxima e/ou da curvatura média (Km) igual ou superior a 0.75 D; da curvatura central igual ou superior a 1.50 D e/ou da diminuição da espessura da córnea central igual ou superior a 2%.

Com base nos critérios de classificação e de progressão do Ceratocone, pode-se seguir um padrão de indicação de tratamento, considerando-se a acuidade visual, a refração ocular e a progressão da doença.

Para a indicação do tratamento do Ceratocone devem ser analisados, principalmente, três aspectos básicos:

  • O ceratocone é leve, moderado ou avançado?
  • A visão com a correção do grau ocular é boa ou ruim?
  • O ceratocone está progredindo ou estacionado?

O fluxograma seguinte é um guia útil para a indicação do Tratamento do Ceratocone:

 

Tratamento do Ceratocone Leve a Moderado

 Tratamento do Ceratocone com Grau Baixo e com Boa Visão 

 1. Ceratocone sem Progressão

1.1 Óculos

O tratamento do Ceratocone leve, com erro refrativo baixo, com boa acuidade visual corrigida e que não está progredindo, consiste na prescrição de óculos e no acompanhamento oftalmológico, incluindo exames de topografia da córnea e tomografia da córnea, inicialmente a cada 6 meses, nos primeiros 2 anos, e posteriomente, uma vez ao ano.

Os pacientes devem ser orientados a não coçarem os olhos, a tratar a alergia ocular com colírios antialérgicos e o olho seco associado com lubrificantes oculares e a tratar a alergia sistêmica com médico alergologista.

 

1.2 Lentes de Contato

Quando a visão corrigida com óculos não é totalmente satisfatória e o ceratocone não está progredindo, o próximo passo é a adpatação médica de lentes de contato para o ceratocone: lente rígida, híbrida ou escleral.

Estas lentes proporcionam a regularização da superfície da córnea e a melhora da visão.

2. Ceratocone com Progressão

2.1 Cirurgia de Crosslinking

Quando o ceratocone é diagnosticado na adolescência ou está progredindo na fase adulta, são observados aumentos da miopia e/ou do astigmatismo, aumentos da curvatura e diminuição da espessura da córnea, sendo indicada a Cirurgia do Crosslinking da córnea, para estacionar a evolução da doença.

No exemplo seguinte, a paciente que, aos 15 anos apresentava córnea fina e topografia normal, tinha o hábito crônico de coçar o olho esquerdo. Aos 19 anos, o olho esquerdo apresentava ceratocone, tendo sido indicada a Cirurgia de Crosslinking. O olho direito, o qual a paciente não coçava, não desenvolveu o ceratocone durante este período.

A Cirurgia do Crosslinking clássica, de acordo com o Protocolo de Dresden, consiste na remoção parcial do epitélio corneal em uma zona central e na instilação da Vitamina B2 riboflavina na córnea, seguida pela aplicação de raios laser de ultra-violeta UV-A.

O objetivo cirúrgico é de promover a ligação das fibras de colágeno da córnea, causando o fortalecimento corneal.

Este procedimento tem duração de 1 hora, sendo que na primeira etapa ocorre a instilação da riboflavina, a cada 5 minutos, durante meia hora e na segunda etapa, além da continuidade da riboflavina, ocorre a aplicação dos raios laser UV-A durante meia hora.

Após o término do procedimento, é colocada uma lente de contato terapêutica, que é retirada geralmente 1 semana depois, quando já houve o novo crescimento epitelial completo.

As pesquisas clínicas mostram que a Cirurgia do Crosslinking pode aumentar a rigidez corneal em até 3x, promovendo a sua estabilização mecânica e pode reduzir a possibilidade de progressão do ceratocone em 90% dos casos.

Por isso, é importante que o tratamento seja realizado quando a visão do paciente ainda está boa e o ceratocone ainda está no estágios iniciais.

Com o estímulo das ligações covalentes do colágeno proporcionado pelo Crosslinking, ocorre a regressão, com melhora dos parâmetros da topografia em, cerca de, 60% dos casos.

A maior parte dos especialistas concorda que a presença do epitélio e da membrana de Bowman gera uma barreira difícil para a riboflavina atravessar e alcançar o estroma corneal, para que sua ação seja mais efetiva.

Por isso, alguns estudos de especialistas italianos e americanos modificam o tipo de riboflavina e a intensidade do raio ultra-violeta de modo que a riboflavina possa penetrar na córnea, mesmo sem a remoção do epitélio, sendo denominada Cirurgia de Crosslinking Transepitelial.

O objetivo do Crosslinking Transepitelial seria a diminuição do desconforto pós-operatório relacionado com a remoção do epitélio e a prevenção do haze corneal.

Esta cicatrização exacerbada da córnea no pós-operatório inicial das Cirurgias de Crosslinking é observada em vários casos, que pode durar entre alguns dias até algumas semanas e, em casos mais raros, alguns meses.

A opacidade da córnea pelo haze tende a causar modificação da acuidade visual, com a sensação de embaçamento da visão, mas geralmente é temporária.

 Indicações da Cirurgia de Crosslinking

Visto que a probabilidade de progressão do ceratocone na adolescência é muito alta, o Consenso Global sobre Ceratocone e Doenças Ectásicas preconiza a indicação da Cirurgia de Crosslinking em todos adolescentes com ceratocone ou outras doenças ectásicas nos estágios iniciais a moderados, não havendo a necessidade formal de evidenciar a progressão da doença nestes casos, pois a evolução da doença é praticamente certa.

A Cirurgia de Crosslinking é geralmente realizada até a idade de 35 – 40 anos, pois a probabilidade de progressão em idades superiores é mínima e não há evidência de resultados clínicos na literatura médica. Geralmente a córnea tende a aumentar suas propriedades biomecânicas com a evolução da idade.

Além da indicação da Cirurgia de Crosslinking ser realizada em pacientes com Ceratocone Grau I a III em progressão e na Degeneração Marginal Pelúcida em evolução, este tratamento também é útil como terapia adjuvante para doenças infecciosas da córnea para evitar o transplante de córnea de emergência ou em casos de ceratopatia bolhosa para controle temporário da dor.

Contra-Indicações da Cirurgia de Crosslinking

A Cirurgia de Crosslinking não deve ser realizada em córneas com espessura menor que 400 micra quando se utiliza a riboflavina na concentração padrão, pois há risco de toxicidade do raio ultravioleta para as células endoteliais.

Algumas pesquisas evidenciaram segurança do uso da riboflavina na concentração hipotônica em córneas mais finas, no entanto, essa abordagem não deve ser realizada em córneas com espessura menor que 320 micra.

Córneas com densidade de células endoteliais menor que 2.000 cél/mm2 no exame de Microscopia Especular, com estrias ou opacidades densas, com Hidrópsia Aguda ou com Ceratocone Grau IV também não devem realizar a Cirurgia de Crosslinking.

As demais contra-indicações são: Ceratite por Herpes, Erosão Epitelial Recorrente, Doenças Graves da Superfície Ocular, Doenças do Colágeno ou Auto-Imunes e o período da Gravidez e Amamentação.

2.2 Cirurgia de PRK Topoguiado + Crosslinking = Protocolo de Atenas

Uma variação do procedimento do Crosslinking, desenvolvida pelo oftalmologista grego Dr. John Kanellopoulos, combina o Crosslinking com um pequeno remodelamento da córnea obtido na Cirurgia de PRK Personalizada Topoguiada (Ablação de Superfície Avançada Personalizada com Excimer Laser).

O tratamento com o excimer laser não deve ultrapassar a remoção de 50 mm e visa apenas diminuir o astigmatismo irregular, e não a correção total do grau da refração, possibilitando a melhor visão corrigida por óculos no pós-operatório.

A combinação da Cirurgia de PRK Personalizada Topoguiada com a Cirurgia de Crosslinking, no mesmo dia ou em dias diferentes, é denominada Protocolo de Atenas que, apesar dos bons resultados obtidos na Grécia, ainda tem poucos estudos publicados e nem sempre os resultados tem sido alcançados em outros países.

Tratamento do Ceratocone com Grau Baixo e com Visão Ruim 

 1. Ceratocone sem Progressão

1.1 Anel Intra-Estromal

Quando o ceratocone encontra-se no estágio moderado, a distorção da córnea é grande, o que não permite boa acuidade visual com óculos e não se consegue boa adaptação de lentes de contato, devido à curvatura muito aumentada.

Por este motivo, é indicada a Cirurgia do Implante de Anel Intraestromal, que consite na inserção de segmentos acrílicos inertes de polimetilmetacrilato (PMMA) no tecido corneano, para regularizar a curvatura da córnea.

A Cirurgia do Implante de Anel Intraestromal pode ser realizada com a Técnica Manual ou com a Técnica do Laser de Femtosegundo.

Na primeira etapa cirúrgica, é criado um túnel no estroma da córnea, com um tunelizador mecânico, na técnica manual, ou com o laser de femtosegundo, na técnica a laser, e em seguida, é inserido o anel no estroma corneal, em uma profundidade de cerca de 80% da espessura da córnea.

A Cirurgia do Implante do Anel Intraestromal causa um aplanamento da área mais curva da córnea, diminuindo a irregularidade do ceratocone, com conseqüente melhora da visão com a prescrição dos óculos ou lentes de contato após a cirurgia do anel.

Indicações do Anel Intraestromal

A Cirurgia do Implante do Anel Intraestromal é indicada para Ceratocones com córneas transparentes, nos estágios Grau III (ceratometria média superior a 53 dioptrias) e Grau IV com ceratometria média inferior a 75 dioptrias, nos casos em que os óculos e as lentes de contato foram incapazes de proporcionar boa qualidade de visão (melhor acuidade visual corrigida < 20/25) ou naqueles intolerantes às lentes de contato.

Para que o procedimento do implante do anel intraestromal seja seguro, a espessura da córnea tem que ser maior que 400 micra na zona da inserção do anel.

O Anel Intraestromal também pode ser implantado em casos de Degeneração Marginal Pelúcida e em Ectasias pós-operatórias como também em casos de astigmatismos irregulares após trauma corneal, transplante de córnea ou cirurgia prévia de ceratotomia radial.

Contraindicações do Anel Intraestromal

O Anel Intraestromal não deve ser implantado em Ceratocones com opacidades severas na córnea, com Hidrópsia Corneal, em pacientes com processos infecciosos oculares ou sistêmico e nos casos de Síndrome de Erosão Recorrente da Córnea.

2. Ceratocone com Progressão

2.1  Anel Intra-Estromal + Crosslinking da Córnea

Como o Implante do Anel Intraestromal não tem o efeito de estacionar a progressão do ceratocone, para os casos de ceratocone moderado, sem boa acuidade visual com óculos ou lentes de contato e com progressão da doença, além da realização do Implante do Anel, está indicada a Cirurgia de Crosslinking, para evitar a evolução do ceratocone.

A Cirurgia do Crosslinking pode ser realizada antes ou após a Cirurgia do Anel Intraestromal, sendo geralmente optado primeiramente regularizar a córnea com o implante do anel intraestromal e posteriormente estabilizar a córnea remodelada com o crosslinking.

Tratamento do Ceratocone com Grau Alto e com Boa Visão 

 1. Lente Fácica + Crosslinking

Quando o paciente com ceratocone apresenta alta ametropia nos dois olhos ou diferença de grau entre os dois olhos (anisometropia), uma alternativa para corrigir a alta miopia e/ou o astigmatismo é a Cirurgia do Implante da Lente Fácica.

Quando a melhor visão corrigida for boa e o ceratocone estiver progredindo, além da Cirurgia da Lente Fácica, deve-se indicar a Cirurgia do Crosslinking.

 Tratamento do Ceratocone com Grau Alto e com Visão Ruim

 1. Anel Intraestromal + Crosslinking + Lente Fácica

Quando o paciente com ceratocone tem a melhor visão corrigida ruim, está em progressão e tem alta ametropia, indica-se a Cirurgia do Implante do Anel Intraestromal associada às Cirurgias do Crosslinking e da Lente Fácica, para melhorar a regularidade da córnea, estabilizar o ceratocone e corrigir a alta ametropia.

Tratamento do Ceratocone Muito Avançado

Quando o ceratocone está no estágio muito avançado, no Grau IV com a curvatura da córnea muito elevada (Ceratometria média > 75 dioptrias), espessura muito fina e com opacidades da córnea, estas córneas já não mais permitem a Cirurgia de Implante de Anel Intraestromal e/ou a Cirurgia de Crosslinking.

Para este estágio do ceratocone, está indicada a Cirurgia de Transplante de Córnea com finalidade da reabilitação visual.

O Transplante de Córnea pode ser feito com a técnica manual ou com o laser de femtosegundo. Nesta cirurgia, a córnea doente com ceratocone é trocada pela nova córnea saudável do doador sem ceratocone.

A imagem seguinte ilustra o resumo das indicações do Tratamento do Ceratocone, de acordo com o estágio evolutivo da doença.